A Crise Da Melodia

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Há algumas semanas que venho pensando a respeito de como as melodias das músicas andam empobrecendo. A melodia que é uma das propriedades musicais que mais amo! Ao mesmo tempo pensava se não era coisa da minha cabeça e implicância minha com a arte musical atual. Depois pensei bem e conversando também com minha esposa que é fã de MPB, ela me revelou que não vinha gostando das novas melodias de alguns artistas, dos quais ela é apreciadora, dado o excesso de conteúdo repetitivo que vem acometendo as melodias.

Eu como um amante de belas melodias, com certeza, não poderia deixar passar desapercebida esta, podemos dizer, CRISE DA MELODIA.  Nós sabemos, pelo estudo da Neurociência, que nosso cérebro gosta das coisas que lhe são parecidas. De certa forma ele sente prazer quando recebe algum estímulo que acessa sua memória de longo prazo ou que o conecta com alguma associação de situações recompensadoras.

O Universo Da Música É Como A Rede Social

Recentemente o site da empresa BMAT (famosa empresa de monitoramento de música mundial) em seu blog publicou um artigo em que comenta uma pesquisa que eles fizeram alguns anos atrás para estudar se a linguagem verbal e música eram iguais.

Eles tiveram uma surpresa ao descobrirem, durante o processo, que o universo das músicas se comporta como uma rede social e que a música popular ocidental pode estar ficando sem melodias únicas. Abaixo deixarei o link para quem quiser ler o artigo detalhado em inglês.

Eles deduziram, desta forma,  que as melodias incomuns pertencem aos guetos, já que o espaço da música comercial é tão confinado, modista e repetitivo, assim como as redes sociais. No artigo eles também abordam que não importa como você representa uma melodia, desde que a representação use métricas limitadas e quantificadas, o número de melodias possíveis é finito. Como por exemplo – uma partitura de música em um certo número de barras, isto é quantificável e portanto finito.

Melodias Finitas, Porém Pouco Exploradas

Apesar disso há um grande campo para exploração das possibilidades de variação melódica, porém muitas destas melodias, provavelmente,  jamais chegarão ao público, dado que a democratização das técnicas de gravação fez com que as melodias populares sejam criadas aos montes, passando rápido e sendo esquecidas.

Levando em consideração que a nossa memória é enganosa, como é sabido pelo estudo conduzido por Elizabeth Loftus, é bem provável que, por um tipo de associação qualquer, estas melodias esquecidas possam emergir do nosso inconsciente como se fossem novas, nos causando o engano de que nos dá prazer por que é nova e bonita, quando na verdade, é por que nos é familiar e já a ouvimos antes.

Algo parecido acontece também, atualmente, com a HARMONIA, citando como exemplo o estilo sertanejo universitário, que tem usado muitas sequências de acordes comuns a músicas populares famosas como “With or Without You”do U2, que já é cópia da sequência de muitas outras músicas populares internacionais antigas. A música “Ai Se Eu Te Pego” do Michel Teló usa esta mesma sequência. Mas sobre harmonia conversaremos num futuro post.

Copie Ou Morra?

No artigo citado acima os autores afirmam o seguinte: “Em outras palavras, se não hoje, amanhã, se você quer uma melodia cativante, copie ou morra”. Eu discordo e vou explicar por que.

Isto tudo que eles disseram está perfeitamente afinado com o conceito de familiaridade tão apreciado pelo nosso cérebro. E poderia desanimar aqueles que pensam de forma um pouco mais original. A boa notícia é que ainda há uma luz no fim do túnel, quando nos voltamos para estudos sobre motivação que demonstram como funciona nosso circuito de recompensa.

Um experimento conduzido por Schulz mostrou que num primeiro momento de aprendizagem em que existe uma recompensa, assim como quando ouvimos uma música que nos agrada pela primeira vez, quando o chipanzé não esperava a recompensa, o neurônio dopaminérgico foi ativado ao receber a recompensa, no entanto, quando a recompensa era repetida da próxima vez, ou seja, já era esperada, o neurônio dopaminérgico foi suprimido. Isto quer dizer que a tendência é que diminuamos o prazer a medida que a recompensa seja a mesma esperada. A satisfação aumenta quando as recompensas são inesperadas.

Tive um professor de Composição e Estética da música chamado Sérgio Bianchi que sempre me dizia que uma música boa é aquela que tem mais ou menos 50% de repetição e 50% de novidade.

Conclusão

Baseado no que eu expus acima, e levando em consideração que a música de um modo geral gera prazer, sendo recompensador quando ouvimos uma música que nos agrada pela primeira vez, podemos deduzir que se as pessoas receberem melodias novas e equilibradas elas, provavelmente, optarão por renovarem seus playlists musicais.

Com tudo isso que abordei, não quero desprezar o lugar que as composições simples tem no mercado. Nem tudo que é complicado é belo! Só acho que é necessário renovação sim, e nosso cérebro é capaz de assimilar novas e bem elaboradas melodias. É necessário que iniciemos um novo momento na criação de melodias e que mesmo os artistas consagrados da música popular comecem a sentir a necessidade de explorar o inexplorado. É aí que reside a beleza da arte! É daí que descende a criatividade!

Referências:

Loftus, E. A ficção da memória – TED – Youtube – Acessado em 20 de Janeiro de 2018

Loscos, Á. BMAT’s Melody Identification – Part 1: Music and Language, BMAT.blog – Acessado em 20 de Janeiro de 2018

Loscos, Á. BMAT’s Melody Identification – Part 2: Running Out of Melodies, BMAT.blog – Acessado em 20 de Janeiro de 2018

W Schultz, P Apicella, T Ljungberg, Responses of monkey dopamine neurons to reward and conditioned stimuli during successive steps of learning a delayed response taskResponses of monkey dopamine neurons to reward and conditioned stimuli during successive steps of learning a delayed response task Journal of Neuroscience 1 March 1993, 13 (3) 900-913

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